Como o BNDES atua para fortalecer a indústria farmacêutica nacional e o Complexo da Saúde?

Alinhado a outras políticas do Governo, BNDES tem papel essencial para o fortalecimento da indústria farmacêutica nacional

O sucesso do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS) em ampliar a capacidade brasileira de produção de medicamentos, vacinas, dispositivos médicos e insumos para o Sistema Único de Saúde (SUS) depende de uma série de políticas desenvolvidas pelo Ministério da Saúde em parceria com outras pastas. Grande parte dos investimentos passa, porém, pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES. Entre janeiro de 2023 e julho de 2024, o banco aplicou R$ 4,5 bilhões de reais em indústrias farmacêuticas. Em agosto, mais R$ 1,39 bi foi liberado parainvestimentos em pesquisa, inovação e ampliação da produção de medicamentos. E a perspectiva é que mais recursos sejam liberados.

No entanto, ainda existe certa dificuldade de parte do setor da saúde em entender os critérios e o alinhamento desses investimentos com os objetivos do Ministério, assim como as empresas que obtêm os recursos. As estratégias do Governo para o fomento desse Complexo se misturam, muitas vezes, ao conceito do CEIS.

Por isso, o Futuro da Saúde entrevistou porta-vozes do BNDES para destrinchar a política de investimento e detalhes sobre financiamentos para a indústria farmacêutica. Carla Reis, chefe do Departamento do Complexo Industrial e de Serviços de Saúde, e Vitor Pimentel, gerente de Estratégica Setorial para Saúde, trouxeram as perspectivas do Banco.

Na avaliação de especialistas do setor, o Governo Federal tem trilhado um caminho correto para o fortalecimento, direcionando recursos que irão colaborar com a oferta de medicamentos ao SUS. Cabe agora, verificar o sucesso de outras políticas, como as Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDP) e o Programa de Desenvolvimento e Inovação Local (PDIL).

“Temos que reproduzir na saúde o que aconteceu no setor aéreo com a Embraer. O Brasil é um país de renda média que hoje produz uma aeronave de médio porte que é competitiva no mundo inteiro. Mas só conseguiu isso com uma articulação do Estado, do governo, com a academia e com o mercado. Triangular é o grande desafio dessa articulação”, afirma Denizar Vianna, que foi secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde entre 2019 e 2020.

NIB e Complexo

É preciso entender que o Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS), antes de ser um programa do Governo Federal, é um conceito que se refere ao grupo de indústrias, prestadores de serviços e toda a cadeia que atende o setor. O que a gestão Lula tem feito é criar estratégias para o fortalecimento desse Complexo.

Para isso, todo o Governo está alinhado para que os investimentos de diferentes áreas estejam atuando na mesma direção. A Nova Indústria Brasil (NIB) é quem faz essa articulação, sendo que a missão de número 2 da iniciativa tem como meta a produção de “70% das necessidades nacionais em medicamentos, vacinas, equipamentos e dispositivos médicos, materiais e outros insumos e tecnologias em saúde” até 2033.

Dessa forma, direta ou indiretamente, diferentes ministérios e órgãos do Governo atuam para incentivar os itens listados, como a produção local de Insumo Farmacêutico Ativo (IFA), terapias avançadas, tecnologia e conectividade, vacinas e inteligência artificial para ensaios clínicos.

Entre as principais linhas de crédito do BNDES que apoiam a indústria nesse sentido está o programa Mais Inovação. Ele pode atuar com propostas de ampliação de plantas industriais e apoio à infraestrutura de pesquisa e desenvolvimento, por exemplo, sendo a política que tem atuado diretamente com a saúde.

“Quando apoiamos o plano de inovação da empresa pedimos para abrir qual é a lista de produtos que ela está trabalhando. É claro, sabemos que isso é dinâmico porque, eventualmente, o processo de inovação tem uma incerteza e ela pode trocar. Mas queremos entender o quanto há de inovação e impacto para fazer conexão com a missão da política industrial”, explica Carla Reis. 

A indústria precisa demonstrar que aqueles produtos vão ampliar o acesso da população à saúde e vão reduzir a vulnerabilidade do SUS. No entanto, a lista de produtos é sigilosa para trazer segurança às empresas, mas o BNDES garante que estão alinhados aos interesses do Governo Federal, mesmo que os financiamentos não estejam diretamente ligados, em um primeiro momento, à compra pública.

Em 2024, as farmacêuticas EMS, Althaia, Hypera e Hypofarma foram algumas das beneficiadas pelos financiamentos do BNDES. Apesar de serem recursos reembolsáveis, isto é, serão pagos pelas empresas, o crédito é subsidiado a juros menores que os praticados pelo mercado.

“Às vezes parece que é confuso, mas para nós não é, porque não somos o Ministério da Saúde. Eles apontam a direção e vamos trabalhar nesse sentido. A Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) vai trabalhar do mesmo jeito, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) vai trabalhar do mesmo jeito, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) também. Vai todo mundo olhar para uma estratégia com objetivos em comum”, explica Vitor Pimentel, do BNDES.

Histórico de financiamento do BNDES e acompanhamento

De acordo com Carla Reis, desde 2003 o BNDES atua com crédito para a indústria farmacêutica. Programas de governo da época buscavam fortalecer o parque industrial brasileiro, junto ao fortalecimento dos medicamentos genéricos, o trabalho da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a construção da política do programa Farmácia Popular. 

“Ao longo do tempo a gente foi evoluindo sempre com viés muito forte em inovação. Inicialmente a inovação até era o desenvolvimento de genéricos, principalmente porque era o que a indústria sabia fazer e estava começando a construir. E de fato, demandava um esforço e um volume de recursos de investimento, porque é necessário fazer testes para comprovar que aquele produto é igual ao produto de referência”, explica a chefe do Departamento do Complexo Industrial e de Serviços de Saúde do Banco.

Esse cenário foi essencial para que a indústria nacional ganhasse força. As empresas ganharam robustez e hoje estão entre as principais líderes do mercado no país, competindo em vendas com gigantes multinacionais. Como explica Vitor Pimentel, muitas dessas empresas se tornaram de grande porte e hoje demandam altas cifras de recursos para trabalhar em pesquisa e desenvolvimento.

Para Reginaldo Arcuri, presidente do Grupo FarmaBrasil, a velocidade e o volume com que as empresas nacionais se adiantaram para tomar esses empréstimos demonstra esse apetite pela inovação da indústria farmacêutica brasileira. “E isso é muito coerente com o que são os objetivos hoje da política industrial. A ideia é fazer com que o conjunto dos itens que compõem o universo da saúde sejam um indutor do desenvolvimento, além de cumprir com a sua tarefa essencial que é a garantia da saúde dos brasileiros e, no caso de medicamentos, garantir um maior acesso a produtos de qualidade e seguros”, observa. 

No caso do investimento aprovado pelo BNDES para a farmacêutica EMS, de 500 milhões de reais, a empresa irá investir em oito medicamentos genéricos, sendo que seis deles ainda estão inéditos no Brasil, com foco em diabetes e câncer. No entanto, 17 moléculas inovadoras também estão no escopo do projeto.

Por parte do BNDES, deve haver um acompanhamento desse trabalho para garantir que os recursos estão sendo aplicados conforme os acordos. “Todos os contratos têm finalidade definida. É obrigatório verificar a aplicação dos recursos. O projeto tem um quadro de usos de fontes onde aponta o valor destinado para equipe, serviços externos, insumos, matérias-primas, etc. As liberações de recursos são parceladas, tem que fazer a prestação de contas, demonstrar que gastou dentro dos itens previstos. A gente faz essa verificação periódica e também existe uma análise de efetividade, dois anos depois do término do contrato, para avaliar efeitos diretos e indiretos”, explica Carla.

Em maio, o BNDES criou uma nova linha de crédito com foco nos fornecedores do SUS, com orçamento de 500 milhões de reais. O financiamento surge para contribuir com a indústria e as metas do Governo e do Ministério da Saúde para o Complexo Econômico-Industrial da Saúde.

70% da demanda do SUS?

A política da Nova Indústria Brasil almeja que o país produza 70% da demanda de produtos utilizados pelo SUS. O número é considerado audacioso, mas visto como um objetivo aspiracional, que serve para embasar as estratégias do Governo Federal e seus órgãos na busca por menor dependência externa. De acordo com o Governo, atualmente o país produz 42% do consumo nacional da saúde pública.

“A indústria farmacêutica brasileira vem em uma evolução muito visível ao longo dos anos. Algumas vão conseguir dar um salto e começar a lançar produtos para fora. Atingir a meta do governo depende de muitas outras coisas, inclusive do que o SUS vai comprar. Se a gente tiver uma evolução de dez ou 15 pontos percentuais ao longo dos próximos anos, já vamos ter tido um resultado muito importante”, observa.

A perspectiva da indústria farmacêutica também é positiva. Arcuri, do Grupo FarmaBrasil, aponta que as empresas também estão alocando recursos próprios para pesquisa e desenvolvimento, em média 6% do faturamento líquido, de acordo com dados da Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (Pintec). Com as linhas de créditos abertas pelo BNDES e outros órgãos de fomento, o executivo aponta que os esforços se complementam. 

“Vamos ter um setor da indústria brasileira capaz de cumprir um papel equivalente ao da Embraer, ao da pesquisa de Petróleo em Águas Profundas e ao desenvolvimento da agropecuária brasileira. É um novo setor de classe mundial e que com inovação vai se capacitar, inclusive para a exportação de produtos”, avalia Arcuri.

No entanto, é preciso lembrar que existem outras linhas de crédito no BNDES que podem ser utilizadas pela indústria nacional, mas que não necessariamente estão ligadas ao Complexo Econômico-Industrial da Saúde. É o caso, por exemplo, de produtos dermocosméticos, que em alguns casos também são produzidos pelas farmacêuticas brasileiras.

“Tem empresas que podem não querer entrar na política do Complexo. Achar que aquele instrumento às vezes amarra muito, como na questão da transferência tecnológica nas PDP, por exemplo. Tem que ter essa alternativa, porque a gente tem uma indústria nacional farmacêutica que está crescendo em volume e qualidade, podendo encontrar outras formas de inovar para o mercado”, observa Denizar Vianna.

Fonte: https://futurodasaude.com.br/bndes-industria-nacional-complexo/

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