As indústrias só estão conseguindo produzir com matéria-prima importada e a procura é diária e crescente
A dificuldade de acesso a matéria-prima para desenvolver medicamentos à base de Cannabis foi o tema central da reunião da Frente Parlamentar da Cannabis Medicinal e do Cânhamo Industrial nesta segunda (17). O encontro debateu os entraves à produção e a necessidade de expandir a pesquisa para atender à procura pelo tratamento com a planta no Brasil.
Judicialização
Representante da Defensoria Pública da União (DPU), Ricardo Russel comentou o crescimento dos pedidos de acesso a medicamentos com cannabis no país. De acordo com ele, de 30 requisições, em 2018, o total deve passar de 500 neste ano. “Esse aumento demonstra que a população busca a Justiça para conseguir o acesso, já que não há solução mais simples. Essa é uma questão de desigualdade social, porque as pessoas com mais dificuldade de conseguir são as mais pobres”, observou.
O cenário também é de aumento de demanda no âmbito estadual. A defensora pública de Pernambuco Luana Melo, que atua na área da saúde, afirmou que a procura é diária e crescente. “Apesar de meu trabalho ser exatamente judicializar, entendo que esse não é o caminho adequado. Mas, infelizmente, é o que resolve”, lamentou.
Regulamentação
No último mês, a Frente discutiu a necessidade de regulamentação dos processos de cultivo, produção e distribuição dos derivados de Cannabis. Atualmente há três maneiras legais de conseguir os produtos para uso medicinal no Brasil: importação para uso pessoal mediante autorização da Anvisa; autorização sanitária para empresas nacionais comercializarem em farmácias; e via associações.
Em Pernambuco, um Acordo de Cooperação Técnica firmado entre a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e o Laboratório Farmacêutico do Estado (Lafepe) busca desenvolver um medicamento seguro e eficaz à base de Cannabis.
Diretora técnica industrial do Lafepe, Bety Senna lembrou que falta uma regulamentação por parte da Anvisa para que o produto possa ser distribuído pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “Enquanto isso não é definido, o Lafepe está trabalhando no desenvolvimento. O laboratório tem uma área reservada para a instalação dessa fábrica, aguardando investimentos”, anunciou.
Matéria-prima
Coordenadora da pesquisa, a professora Larissa Rolim relatou a dificuldade de conseguir matéria-prima de qualidade. “As indústrias só estão conseguindo produzir com matéria-prima importada. A nossa matéria-prima vem de apreensões de plantações ilegais. Não tenho como trabalhar, desenvolver um medicamento, utilizando uma matéria-prima sem padronização, sendo que o Brasil já tem conhecimento para o cultivo adequado”, lamentou.
Ela explicou por que a indústria farmacêutica não pode contar com o fornecimento das associações. “Essa produção é autorizada via decisão liminar. Não se pode correr o risco de ter a fabricação em larga escala interrompida a qualquer momento, porque isso significaria interromper o fornecimento a milhares de pacientes”, pontuou.
Coordenador da frente parlamentar, o deputado João Paulo (PT) frisou o papel fundamental dos estudos acadêmicos. “A pesquisa científica é extremamente importante como alicerce para embasar as políticas públicas, especialmente em saúde, pois as ações de governo devem ser fundamentadas em evidências sólidas”, avaliou.
Para Luciano Duque (Solidariedade), é importante envolver o Congresso Nacional na discussão. “Nós como legisladores estaduais temos um limite de atuação nesse caso. É necessário que haja uma definição na esfera nacional, e precisamos entender em que ponto está esse debate em Brasília para buscar a melhor solução”, afirmou o parlamentar.
João Paulo sugeriu uma articulação entre as casas legislativas do Nordeste e a bancada federal, no intuito de unir forças e fazer pressão para agilizar a regulamentação em todo o país. Também participaram do encontro representações da Fiocruz, do Banco do Nordeste do Brasil (BNB) e da Ordem dos Advogados do Brasil em Pernambuco (OAB-PE).