Entidades pedem regulamentação complementares sobre o assunto em audiência pública
A Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados promoveu uma audiência pública na terça-feira, 10/9, para discutir a prescrição e dispensação eletrônica de medicamentos. Apesar de o Brasil já contar com uma legislação específica sobre o assunto, entidades presentes no debate apontaram que o processo da digitalização de receita médicas ainda possui lacunas e por isso alegam a necessidade de mais regulamentação no setor.
O avanço na saúde digital é um dos temas priorizados pela gestão pública e o uso de prescrições eletrônicas traz diversos benefícios para a área. Conforme dados apresentados pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF), cerca de 7% das prescrições manuais em ambiente hospitalar apresentam erros. Sendo os mais frequentes a dosagem incorreta, ilegibilidade, intervalos de doses inadequados e erros de transcrição.
Atualmente o Brasil possui a lei 14.063/2020, que dispõe sobre as regras para uso das assinaturas eletrônicas e institui a receita digital como documento válido, aceito e dotado de validade jurídica. Além disso, a Medida Provisória 22.002/2001 garante a autenticidade e integridade dos documentos emitidos de forma eletrônica. No entanto, o diretor do Movimento de Inovação Digital (MID), Ariel Uarian, destaca que a prescrição eletrônica é bem aceita pela população, mas ainda pode ser mais utilizada. “A adesão por consultas virtuais e por receitas digitais é massiva. A digitalização é inevitável, mas ainda existem pontos em que podemos avançar”, salienta.
Lacunas a serem preenchidas
Um dos principais problemas do tema discutidos na audiência é a necessidade de implementação de um registro eletrônico de dispensação. A gerente de Produtos Controlados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Renata Souza, destaca a importância da validação da receita digital nas farmácias. “A receita física é apresentada na farmácia e retida para não ser utilizada novamente, mas a receita digital também não pode continuar disponível após a dispensação de um medicamento. Estamos trabalhando e pensando em soluções tecnológicas para isso”, afirma Souza.
O secretário-geral do CFF, Luiz Gustavo Pires, concorda que é preciso avançar no registro para bloquear as receitas após a dispensação, mas para isso é preciso regulamentar melhor a sua prática. Para ele, a dispensação ainda precisa ser reconhecida legalmente como um ato essencial para o controle, segurança e efetividade do uso de medicamentos.
Além disso, Pires relata outros problemas que precisam ser discutidos pelo legislativo, como a falta de harmonização do padrão dos documentos em saúde a respeito das assinaturas digitais. “Na lei, o artigo 13 pede uma assinatura qualificada, mas o artigo 14 coloca exceções para que alguns produtos tenham uma assinatura avançada. Então defendemos que todas as prescrições precisam ter somente um tipo de assinatura”, disse.
Outra questão trazida na audiência foi o mercado de prescrição eletrônica por empresas privadas. O CEO da Associação Brasileira de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), Sergio Mena Barreto, argumenta que as receitas digitais devem colocar o paciente no centro e por isso devem ser públicas e não associadas a sistemas privados para que qualquer farmácia possa ter acesso. “Eu tenho um sistema de que se eu não pagar por ele a dispensação não vem para mim. Isso é inadmissível. As prescrições digitais não podem ser um negócio de dinheiro e por isso temos que fazer uma regulamentação bem feita nessa área. Qualquer farmácia de médio e pequeno porte tem que ter o poder de ser escolhida pelo paciente para dispensação do produto”, diz.
Medicamentos controlados
Medicamentos de controle especial como psicotrópicos e ansiolíticos, que utilizam receitas azul e amarela, ainda não podem ser prescritos por meio eletrônico devido à ausência de um sistema de regras específicas para eles, por sua capacidade de dependência e pela alta procura para desvio. Apesar de reconhecer a necessidade de uma vigilância forte sobre esses remédios, entidades reclamam do processo físico de obtenção de Notificações de Receita, que é o documento que permite a prescrição desses medicamentos.
“O talonário azul e amarelo físicos são problemas que precisamos enfrentar, precisamos ter um ambiente digital com tudo isso feito eletronicamente. A forma como é feito hoje é ineficaz e precisamos avançar”, afirma Uarian, diretor do MID. Para começar esse processo, a Anvisa lançou em julho deste ano o Sistema Nacional de Controle de Receituários (SNCR), uma plataforma nacional online para numeração das receitas de medicamentos controlados. A partir de janeiro de 2025, o uso da plataforma será obrigatório para todas as vigilâncias sanitárias do País.
“Para pensar em uma solução tecnológica é preciso pensar também nas etapas sanitárias e regulatórias. Com o SNCR vamos poder ver de forma mais concreta como é a emissão eletrônica das Notificações de Receita. Isso está incluído no projeto de Transformação Digital de Produtos Controlados da Anvisa, é considerado estratégico e está priorizado em todas as instâncias”, explica Souza.
Atestados eletrônicos
Além das prescrições eletrônicas, a emissão de atestados médicos digitais também tem se popularizado. No início deste mês o Conselho Federal de Medicina (CFM) lançou uma plataforma online gratuita para validar atestados médicos emitidos em todo o País. O Atesta CFM visa combater fraudes e outras irregularidades na emissão desses documentos.
A ferramenta vai ser um canal de verificação da integridade do atestado e notifica o usuário caso haja alguma falsificação. Além de permitir uma consulta ao histórico de atestados recebidos e a aprovação do acesso de terceiros ao documento para reforçar o sigilo e a proteção de dados. A plataforma também oferece a opção de enviar automaticamente o atestado para o empregador logo após a sua emissão. O sistema começa a ser testado em novembro e passa a ser obrigatório a partir de março de 2025 para profissionais da saúde.
Conforme o representante do CFM, Leandro Kleber, o mecanismo foi criado devido ao aumento de denúncias sobre atestados falsos nos Conselhos Regionais de Medicina. “Uma simples busca por atestado na internet permite obter um documento falso com extrema facilidade. A plataforma é uma resposta a uma demanda urgente da sociedade, pois o uso de atestados médicos adulterados ou emitidos de forma irregular tem gerado prejuízos significativos. O CFM aposta na modernização para inserir a classe médica nesse contexto de digitalização”, afirma.
Fonte: https://futurodasaude.com.br/audiencia-publica-dispensacao-eletronica/