Expectativa para produção de biossimilares faz Ministério da Saúde e indústrias farmacêuticas buscarem informações sobre patentes

O Brasil quer entrar de vez na era dos medicamentos biossimilares. Com políticas públicas voltadas ao segmento, discussões sobre precificação em andamento e investimento da indústria nacional, o país começa a estruturar a produção desse tipo de medicamento. O cenário é favorável, já que há previsão de queda de patentes de cerca de mil produtos até 2030, incluindo biológicos, o que abre espaço para competitividade o tema será alvo de evento promovido pelo Futuro da Saúde no próximo dia 16 de dezembro.

O potencial de ampliação do acesso, a partir desse tipo de produção, é considerado significativo, refletindo em mais cuidados à população e economia ao Sistema Único de Saúde (SUS). Por isso, há interesse do Ministério da Saúde em desenvolver o tema, utilizando incentivos financeiros e o poder de compra da saúde pública. Segundo estimativas apresentadas por Rosane Guimarães, diretora de Bio-Manguinhos/Fiocruz, o desenvolvimento dessas moléculas pode custar até 50% menos em relação ao medicamento biológico de referência, o que tende a resultar em preços finais mais acessíveis.

Os medicamentos biológicos consomem 30% do orçamento do SUS mas correspondem a somente 5% das medicações oferecidas à população. Isso mostra que são medicamentos complexos, com grande impacto no orçamento. Entendemos que são importantes, elevam significamente os custos e há uma demanda reprimida, sabemos que não entregamos tudo que é necessário, disse Guimarães, durante o evento debate ocorrido no Senado Federal, em 4 de dezembro.

Atualmente, cerca de 67 medicamentos biossimilares possuem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), sendo o primeiro deles registrado ainda em 2015 pela Eurofarma. A expectativa é que este número cresça exponencialmente nos próximos anos, aumentando a produção e utilização.

O Opdivo (nivolumabe), da BMS, Keytruda (pembrolizumabe), da MSD, Trucility (dulaglutida), da Lilly, Eliquis (apixabana), da Pfizer e Kadcyla (trastuzumabe entansina), da Roche, são alguns dos medicamentos biológicos que perderão sua patente até 2030 e são de interesse do setor, além de blockbusters como Ozempic e Wegovy (semaglutida), da Novo Nordisk. Eles movimentam bilhões de dólares ao ano e podem trazer um novo lucro à indústria no Brasil.

A indústria farmacêutica brasileira, nos últimos dez anos, se preparou e já está fabricando medicamentos biossimilares. Há uma grande possibilidade agora de avançar nessa produção, porque temos uma base industrial já estabelecida. Duas das nossas associadas já têm parques fabris produzindo anticorpos monoclonais e podem ampliar essa produção, afirma Reginaldo Arcuri, presidente executivo Grupo FarmaBrasil.

Interesse público e PDPs

O Ministério da Saúde e a Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina (Abifina) firmaram parceria para que a pasta tenha acesso ao Centro de Monitoramento de Patentes da entidade. A ideia é acompanhar o andamento de patentes de produtos considerados estratégicos ao SUS, o que inclui medicamentos biológicos.

São medicamentos que interessam não só pelo tipo de tecnologia, por ter um desenvolvimento mais complexo, mas também por enfrentar doenças que antes não estavam sendo endereçadas. Eram indicações que estavam um pouco carentes de um medicamento mais eficaz, explica Ana Claudia Oliveira, especialista em Propriedade Intelectual, Inovação e Biodiversidade da Abifina.

Estimativas da PróGenéricos apontam para um mercado de biossimilares de US$ 5 bilhões no Brasil, com taxa de crescimento de 14% ao ano e que representa 30% do mercado farmacêutico no país. No entanto, ainda há pouca utilização de medicamentos biológicos no SUS, apesar do alto investimento. O governo tem investido em parcerias e ações para aumentar esse escopo, através dos biossimilares.

Entre as 74 Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDP) firmadas de 2009 a 2025, 17 deles são para medicamentos de base biotecnológica, entre biológicos e biossimilares. Soma-se ao número 24 novas PDPs, aprovadas no final de novembro, que contemplam seis medicamentos biossimilares e um biológico.

Regulação de biossimilares

A Anvisa aprovou, em 2024, um novo regulamento para os medicamentos biossimilares, que trouxe avanços e segurança para o mercado. Ao lado da Lei das Pesquisas Clínicas, sancionada no mesmo ano e regulamentada em 2025, a expectativa é que se crie um cenário que favoreça o desenvolvimento de biossimilares.

Um medicamento inovador custa 50 milhões de reais no desenvolvimento experimental, mas na fase clínica chega a 500 milhões de reais, em um período de 12 a 15 anos. Já um biossimilar consegue prescindir de algumas fases clínicas, não é preciso ver dose e público-alvo porque já foi desenvolvido no medicamento inovador. Se gasta mais na fase de desenvolvimento, por conta da comparabilidade analítica, explicou Rosane Guimarães, da Bio-Manguinhos/Fiocruz.

A expectativa é que todos esses movimentos impactem o preço final, reduzindo até 50% quando comparado ao medicamento biológico original. Contudo, o tema da precificação está em análise pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED). O mercado aguarda a publicação da versão final.

Nos Estados Unidos, 2% da população é tratada com produtos biológicos, e eles respondem por mais de 1/3 dos gastos com medicamentos. Não é uma questão só brasileira, um país rico como EUA sofre as mesmas consequências, de forma um pouco diferente. Na Europa, essa relação é 50/50, explica Valderilio Feijó Azevedo, presidente eleito da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR), durante o evento.

Estimativas publicadas na Nature apontam que os EUA economizaram US$ 36 bilhões em dez anos, com a entrada dos medicamentos biossimilares no país, sendo que U$ 12,4 bi foram apenas em 2023.

Mercado e principais medicamentos

Certamente o mais esperado é o Keytruda (pembrolizumabe), hoje a droga número um em volume de gasto no ranking de hospitais e planos com atendimentos oncológicos. Outra molécula com avanço concreto muito em breve é o Xolair (omalizumabe), que já há biossimilar com registro na Anvisa pela Celltrion, afirma João Ribeiro Lima Neto, co-fundador da Verzo, empresa de dados para soluções em saúde.

Segundo ele, outros medicamentos que têm grande impacto no orçamento hospitalar, como Prolio, Ocrevus, Dalinvi, Opdivo e Cosentyx, terão patentes encerradas até 2030. Junto a outros medicamentos biológicos, possuem faturamento de cerca de R$ 50 bilhões no Brasil, de acordo com o Anuário Estatístico do Mercado Farmacêutico de 2024. Hoje vemos marcas ganhando relevância entre hospitais que antes não eram tão mencionadas, além de nacionais entrando no topo de gastos dos hospitais, afirma João.

De acordo com Ana Claudia Oliveira, da Abifina, a redução de preço é um dos itens mais importantes, mas há também a necessidade de avançar na redução da dependência externa. Por isso, o incentivo à produção em solo brasileiro de produtos biossimilares é importante para a saúde do país.

Em uma situação em que o próprio titular retire a produção ou não comercialize aqui no Brasil, vamos ter uma opção terapêutica para aqueles pacientes. Aumenta a possibilidade de rotas e autonomia tecnológica do Brasil, aquisição de conhecimento e retenção de pesquisadores no país, afirma ela.

A expectativa da indústria é que a resolução da CMED sobre precificação seja equilibrada. No entanto, Reginaldo Arcuri, do Grupo Farma Brasil, espera que a própria competição de biossimilares faça com que a redução de preços seja resultado da entrada de medicamentos equivalentes no mercado brasileiro.

Medicamentos de rota biológica são essenciais para a saúde dos brasileiros. Principalmente para aquele contingente da população brasileira que é o que mais cresce, que são as pessoas idosas. Estamos concluindo o nosso período demográfico, entrando agora em um processo de consolidação da população em faixas mais altas, afirma Arcuri, do Grupo FarmaBrasil.

Desafios do Brasil na introdução dos biossimilares

Com o boom de queda de patentes e a chegada de novos biossimilares, a expectativa é que haja uma conscientização e aderência por parte dos profissionais e instituições de saúde. Para isso, temas como o debate relacionado à intercambialidade, trocas automáticas e farmacovigilância devem entrar na discussão do setor.

Também há desafios no acompanhamento das patentes. Reginaldo Arcuri explica que, além das patentes sobre moléculas, existem patentes que protegem outros temas, como processos, uso e formas de produção. Por isso, painéis como os desenvolvidos pela Abifina, podem colaborar com o mercado.

A indústria farmacêutica de inovação busca na justiça a extensão de patentes. O entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) é de que a patente vale 20 anos a partir do seu depósito no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI). No entanto, o prazo para aprovação da patente é considerado extenso, o que faz com que empresas peçam a extensão para garantir mais tempo para explorar comercialmente o medicamento.

Tem mais de 60 ações tramitando para a extensão da vigência de patentes. E várias dessas ações são de produtos biológicos, lembra Ana Claudia, da Abifina, indicando que uma decisão favorável à extensão da patente poderia mudar o boom de biossimilares no país.

Fonte: https://futurodasaude.com.br/nova-onda-queda-patentes-biologicos/

Foto: Adobe Stock

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