Em entrevista exclusiva para Futuro da Saúde, David Linsenmeier, gerente geral da América Latina da Haleon, fala sobre o crescimento do mercado e fabricação de produtos no Brasil
Ir à farmácia, comprar um remédio que não precisa de pedido médico para sanar um resfriado, uma cólica, desconfortos estomacais ou intestinais, pagar e sair do estabelecimento. A facilidade de resolver uma dor ou incômodo com um produto farmacêutico de fácil acesso, como os Medicamentos Isentos de Prescrição (MIPs), é um símbolo do chamado autocuidado. E tem sido um costume em constante crescimento no Brasil e no mundo.
Também conhecido como OTC (Over The Counter, “sobre o balcão” na tradução), este é um mercado que movimentou globalmente US$ 183 bilhões de dólares em 2023, segundo dados da IQVIA. Apesar de a região da América Latina não ser a maior, a consultoria aponta que tem apresentado crescimentos consistentes – no ano passado registrou 7,7% de crescimento em vendas, atrás apenas da região consolidada de Europa, Oriente Médio e África. No Brasil, estimativas apontam que o mercado OTC movimenta cerca de R$ 90 bilhões e deve chegar em R$ 130 bi até 2026, segundo a IQVIA Brasil.
“O mercado de OTC no Brasil está muito bem desenvolvido em termos de importância no setor geral da saúde”, comenta David Linsenmeier, General Manager para a América Latina da Haleon, em entrevista exclusiva para Futuro da Saúde. “Há pessoas nas farmácias com muita frequência e é um mercado que tem um bom nível de inovação e pode misturar players multinacionais”.
No Brasil, esses medicamentos que podem ser comprados sem prescrição foram classificados pela Resolução RDC nº 98, de 2016, que considera os MIPs de acordo com critérios determinados na reação e manejo pelo paciente. Algumas regras que estão inclusas são, por exemplo, que esses produtos sejam utilizados para doenças não graves e com evolução lenta ou inexistente, com baixo potencial de toxicidade e de risco ao paciente. Outras determinações é que eles devem ser utilizados por um curto período e que sejam de fácil manejo pelo paciente, afinal, é um produto de automedicação consciente.
Mercado no Brasil e América Latina
No segmento de OTC, a Haleon, dona de marcas como Sensodyne, Advil, Centrum e Eno, é a líder global em market share em um mercado bastante pulverizado. Segundo levantamento da IQVIA Global OTC Insights, a empresa possui 5,9% de participação, seguida por Kenvue (4%), dona de Band-Aid, Listerine, Neutrogena, Tylenol, Sanofi (3,9%), dona da Novalgina e Dorflex, a alemã Bayer (3,7%) e a P&G (2,5%).
Em 2022, a Haleon se separou da farmacêutica GSK justamente para focar em um mercado com características específicas e em crescimento. “Anteriormente, como parte da GSK, desenvolvíamos toda nossa inovação globalmente para um consumidor global. No entanto, há cerca de três anos, mudamos nosso modelo de inovação para focar mais nas necessidades locais, o que acelerou nossa capacidade de atender essas necessidades de maneiras diferentes”, conta o gerente geral da Haleon para América Latina.
Na esteira dessa mudança veio também um ciclo de investimentos de £ 30 milhões de libras nos últimos anos em processos produtivos e inovações, segundo a empresa. Boa parte foi aportada na fábrica de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, que é a maior da companhia na América Latina. Atualmente a unidade é responsável pela produção da linha premium da Sensodyne e do multivitamínico Centrum, que antes eram produzidas no Reino Unido e Canadá, respectivamente. De acordo com a companhia, para cada dez produtos Sensodyne vendidos na América Latina, nove são desta fábrica.
Há, contudo, diferenças entre o consumo e acesso de fármacos das populações entre os países. “No Brasil, por exemplo, medicamentos de venda livre são vendidos apenas em farmácias. Isso também ocorre na Argentina, na Colômbia, no México e em muitos países. Em contraste, outros lugares, como nos Estados Unidos, eles são vendidos também em supermercados, o que representa uma diferença importante no mercado”, explica o executivo.
O tema segue em debate no Brasil por meio da tramitação do PL 1774/2019, de autoria do deputado Glaustin da Fokus (PSC/GO). A matéria está atualmente em análise da Comissão de Saúde com relatoria da deputada Adriana Ventura (NOVO/SP) e deve em breve ter audiência pública para discussão.
Nova visão sobre os Medicamentos Isentos de Prescrição
Os MIPs são uma fonte de autocuidado. E, após os anos de Covid-19 no mundo todo, a tendência foi crescer ainda mais o cuidado de cada indivíduo consigo próprio, algo que se refletiu também nesse segmento de compra. “É um mercado que tem crescido ao longo dos anos, houve um enorme crescimento durante a pandemia. Em algumas partes do mercado, houve um reset após a pandemia, mas espero que continuem a crescer ao longo do tempo porque atende a necessidades muito importantes que as pessoas têm e que continuarão a crescer”, comenta Linsenmeier.
Só na América Latina, 84% dos entrevistados da pesquisa da Asociación Latino-Americana de Autocuidado Responsable (ILAR) declararam que a autogestão da saúde é altamente relevante e 49% mencionaram a possibilidade de adquirir medicamentos de venda livre (OTC) para tratar condições menores nessa época. Foi também um momento em que as farmácias se transformaram em pontos de comércio e compra de autotestes para identificação do vírus SARS-CoV-2 no organismo. Para Linsenmeier, a transformação das farmácias em “minimercados” ou hubs de saúde se deu antes da pandemia, observando movimento que já acontecia no Canadá e Estados Unidos, por exemplo:
“Em muitos casos, as farmácias são mais convenientes do que os hospitais, mais próximos da casa, do trabalho, abertos em horários diferentes. E as pessoas já tinham, em muitos lugares, ido ao farmacêutico para aconselhamento de saúde e para comprar os medicamentos de que necessitam, quer fossem de venda livre ou sujeitos a receita médica e por isso é, de certa forma, uma extensão natural uma farmácia oferecer uma gama mais ampla de medicamentos, serviços de saúde”.
Uma ideia defendida por Linsenmeier é a de que os MIPs ajudam a desafogar o atendimento à saúde na medida que os medicamentos sanem problemas menores que não requerem atenção profissional. “Existem muitos tipos de problemas de saúde menores, onde tratar essa condição com automedicação ou medicamentos de venda livre pode ser muito mais apropriado e, às vezes, muito mais barato do que tratá-lo com medicamentos prescritos, se você incluir nessa análise o custo do tempo dos médicos e o trabalho perdido pelo tempo que um indivíduo leva para ir ao médico”, comenta.
Segundo estudo da Fundação Instituto de Administração (FIA), estima-se que seria possível economizar cerca de US$ 2 bilhões em assistência médica e em produtividade dos profissionais de saúde do SUS se 50% de casos como doenças comuns de maior impacto, como o resfriado comum, a diarreia, a candidíase e a lombalgia fossem tratadas com MIPs. O estudo também revela que o uso desses medicamentos proporciona uma economia de R$ 364 milhões para o SUS. De acordo com o levantamento, para cada R$ 1 investido nessa categoria de medicamentos, até R$ 7 são economizados pelos cofres públicos.
Para ele, melhorar a saúde pública e usar MIPs para atendimento público também perpassa por campanhas de conscientização e alfabetização sobre saúde para a população. Assim, ao sentir sintomas de doenças comuns, o indivíduo poderia tomar a melhor decisão com base no conhecimento sobre a seriedade da doença. “O apoio ao autocuidado e uma estrutura para a regulamentação do autocuidado que seja distinta da regulamentação farmacêutica são coisas que podem ajudar nesses desafios”, explica.
Inclusão na saúde
Outro ponto que Linsenmeier questiona é a equidade do acesso à atenção de saúde e medicamentos para diferentes populações, em vista de barreiras como localidades afastadas, situação socioeconômica e preconceito. Segundo pesquisa aplicada pela Haleon globalmente 58% das mulheres disseram que a sua dor foi tratada de forma diferente, não acreditada ou discriminada, contra 49% dos homens. Além disso, a pesquisa apontou que 59% das pessoas de cor disseram que a sua dor foi tratada de forma diferente, não acreditada ou discriminada, contra 48% das pessoas brancas. Brasil é o país com maior índice, com 71% dos entrevistados alegando que receberem um tratamento diferente.
“Pode ser que alguém não acredite neles ou pode ser que alguém minimize sua dor em relação à dor de outra pessoa. Esse é um exemplo de lacuna na inclusão na saúde. Existem tratamentos eficazes para a dor e se você precisa de um analgésico de venda livre ou de prescrição mais forte, isso deveria ser acessível, mas existem barreiras invisíveis para obter esse acesso”, explica.
Uma das iniciativas empregadas pela Haleon é favorecer o acesso aos MIPs para a população e, para isso, conscientizar governo e instituições para tomada de ações com base em dados. O Index de Inclusão na Saúde segue essa proposta, com comparações em um visualizador interativo de 40 países. Na plataforma, o Brasil aparece como o país mais inclusivo da América do Sul e está na posição geral em 17º de inclusão na saúde, mas não recebe nenhum ponto nos indicativos de “Determinantes sociais da saúde nas políticas” e “impostos sobre álcool e alimentos não saudáveis”.
Fonte: https://futurodasaude.com.br/medicamentos-isentos-de-prescricao-haleon/