O saldo positivo da cannabis medicinal no Brasil

Introdução do debate no Brasil foi muito bem embasada ao iniciar a quebra de
objeções pela via medicinal
O leitor atento sabe mais do que ninguém que cannabis medicinal é legal no Brasil
desde 2015, quando a ANVISA definiu critérios e procedimentos para a importação
de produto à base de canabidiol em associação com outros canabinóides (RDC no.
17, de 06 de maio de 2015).
Desde a época da primeira regulamentação a ANVISA vem pisando em ovos: de um
lado o penhasco da Lei de Drogas, de outro a pressão de um crescente mercado
nacional de produtos legais de cannabis. Isso tudo amplificado por debates e
legislações ainda não estabilizados nos EUA e pela Europa.
A solução da ANVISA foi inteligente: focou nos produtos já disponíveis no exterior
com maior predominância de CBD e até 0,2% de THC (art. 4, RDC no. 327 de 9 de
dezembro de 2019).
Apesar de regulamentar a fabricação dos produtos à base de cannabis, contudo, a
Agência obrigou a indústria a importar o insumo farmacêutico nas formas de
derivado vegetal, fitofármaco, a granel, ou produto industrializado, vedando a
importação da planta ou partes da planta de Cannabis spp. (art. 18, RDC no. 327 de
9 de dezembro de 2019).
Nessa dança, porém, entram não apenas a indústria farmacêutica e a ANVISA, mas
também as Associações de pacientes de cannabis, algumas delas com mais de
30.000 associados.
As Associações sempre estiveram em um limbo jurídico em relação às normativas
da ANVISA: atuam embasadas em decisões judiciais que autorizam o cultivo e
produção de produtos à base de cannabis para seus associados.
Justamente por se basearem em decisões judiciais as Associações conseguem
cultivar cannabis em solo brasileiro, além de fornecer produtos com maior
concentração de THC – que possui qualidade terapêutica diferente daqueles que
possuem apenas CBD e que são adquiridos no Brasil via importação, com
autorização da ANVISA.
Cada dia fica mais claro que a introdução do debate no Brasil foi muito bem
embasada. Iniciar a quebra de objeções pela via medicinal e através de um produto
de cannabis descaracterizado em um frasco de óleo, facilitou imensamente a
percepção positiva do povo brasileiro sobre o tema.
Se antes o assunto estava guardado na gaveta, hoje todo mundo conhece alguém
que se trata com cannabis. E mais: basta conversar com um paciente medicinal para
compreender a absurda importância do tratamento para sua saúde.
Agora o problema começa a se aprofundar: se antes prescrevia-se exclusivamente
óleos de cannabis a serem consumidos pela via oral, hoje o leque de produtos e
aplicações é infinito, inclusive no Brasil.
Já pensou em comprar flores in natura de cannabis medicinal e recebê-las em sua
casa? Desde 2021 a ANVISA permite essa possibilidade. Esta questão veio à tona
quando o rapper Filipe Ret foi preso e junto dele foram apreendidas flores de
cannabis in natura que são vendidas legalmente em solo brasileiro.
Não só parece estranho como de fato é.
É consenso, porém, que a nova trincheira da guerra ao acesso à tratamentos com
cannabis é justamente a flor in natura de cannabis. Sua aplicação terapêutica é
reconhecida e de quebra o produto subverte toda a ótica da política criminal e da
ANVISA sobre o tema.
Claro que é terrível não termos regulamentação mais aprofundada sobre a cannabis,
mas como já dito o saldo da cannabis medicinal no Brasil é positivo. Explico.
Desde que a possibilidade de importação de flores de cannabis foi reconhecida pela
ANVISA, abriu-se a brecha para (por que não?) as Associações passarem também a
fornecer o mesmo tipo de produto. Com indicação médica, é claro.
Ora, se há indicação médica, não existe qualquer diferença na forma de
apresentação do produto; em óleo, in natura para vaporização, impregnado em
chicletes ou outros alimentos. Inclusive a ampliação de possibilidades terapêuticas é
absolutamente vantajosa.
E é aqui que o Brasil sai na frente: em razão da legislação internacional insossa,
praticamente só estão disponíveis no mercado produtos com predominância de
CBD.
As Associações, porém, por justamente escaparem dessa salada de fruta, oferecem
produtos com predominância de THC. Algo absolutamente inovador no mercado
regular, inclusive internacional.
Por isso tudo que apesar dos pesares o saldo por aqui é absolutamente positivo.
Novamente a realidade subjuga o direito, um quadro clássico. O debate ganha cada
dia mais corpo e o número de pacientes de cannabis medicinal cresce diariamente
no Brasil.
Felizmente a ANVISA teve a coragem de iniciar esta peleja e permitir que
regulamentações sobre a cannabis fossem introduzidas no arcabouço jurídico
brasileiro. Regulamentações tímidas, é evidente. Mas ao mesmo tempo grandiosas e
dentro das esquadras de legitimidade da Agência Nacional.
E a história da cannabis no Brasil segue sendo escrita ao vivo. Entre mães e pais
corajosos, cultivadores de apartamento e médicos processados criminalmente por
prescreverem tratamentos a base de cannabis.
Por fim, ouso deixar aqui uma provocação: maconha é maconha, seja medicinal ou
para qualquer outra finalidade. Qual será a próxima fronteira?
Fonte: https://www.migalhas.com.br/depeso/373781/o-saldo-positivo-da-cannabis-medicinal-n
o-brasil

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