É preciso ter a ambição de olhar para além das fronteiras, pensando em parcerias estratégicas com mercados maduros como Canadá e Estados Unidos
Com foco em categorias como a de remédios de prescrição e cannabis medicinal, o setor manteve a evolução nas vendas na casa de dois dígitos. No entanto, passou a enfrentar desafios inéditos que escancararam carências da indústria nacional e dificultam a visualização de novos horizontes.
A convivência com a falta de medicamentos ganhou notoriedade a partir da explosão de casos da ômicron. A escalada da variante do Covid-19, entre o fim de 2021 e o início deste ano, forçou a China a restringir exportações de matérias-primas. Juntamente com a Índia, o gigante asiático responde por quase 95% dos insumos farmacêuticos ativos (IFAs) importados pelo Brasil.
Não encontrar antibióticos e antigripais tornou-se uma cena comum especialmente no pequeno e médio varejo. Estimativas do setor indicam que cinco a cada dez medicamentos tiveram escassez nas farmácias independentes, contra apenas um a cada dez nas grandes redes.
Custos crescentes desafiam farmacêuticas brasileiras
“Estamos diante de um país que importa 95% de IFAs, mas responde apenas por 3% do consumo global. Fabricamos em tonelada para vender em miligrama”, enfatiza Nelson Mussolini, presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma).
Para o dirigente, a indústria brasileira não conseguirá vencer essa batalha sozinha. “Ela precisa ter a ambição de olhar para além de suas fronteiras, pensando em parcerias estratégicas com mercados maduros como Canadá e Estados Unidos”, aponta. Ao mesmo tempo, deve cobrar firmemente do poder público uma reforma fiscal capaz de incentivar nossa atividade. “Mas não se trata de pedir isenção ou benefício. O que buscamos é um modelo que desonere a produção, pois já pagamos impostos antes mesmo de comprar um tijolo”, critica.
O CEO da Associação Brasileira da Indústria de Insumos Farmacêuticos (Abiquifi), Norberto Prestes, também defende uma política de contingência que una governo e indústria. “Os Estados Unidos estão nacionalizando 180 moléculas consideradas estratégicas a toque de caixa para manter a soberania de produção. O mesmo ocorre com a Índia, que está investindo US$ 8 milhões na nacionalização de 30 moléculas. Ou seja, uma das maiores fabricantes de insumos e medicamentos percebeu a fragilidade desse processo. Mas não vemos movimentos nesse sentido no Brasil”, diz.
Dados do Close-Up International, referentes aos últimos 12 meses até setembro, revelam um faturamento de R$ 169,5 bilhões em vendas dos laboratórios nas farmácias. O avanço foi de 14% sobre o mesmo período anterior. Mas Mussolini pondera que o reajuste de medicamentos de 10,8% compôs boa parte desse crescimento. “Não bastassem as restrições de insumos, a guerra na Ucrânia comprometeu ainda mais os custos, principalmente com fretes”, lembra.
Movimento das multinacionais favorece farmacêuticas brasileiras
Por outro lado, um movimento das multinacionais iniciado pouco antes da pandemia vem servindo de atalho para o maior apetite das farmacêuticas brasileiras. “As empresas estrangeiras estão se desfazendo de seus portfólios maduros em favor de medicamentos de alta complexidade, o que abre campos promissores para as nacionais no mercado tradicional de prescrição”, acredita Mussolini.
A Hypera Pharma é uma das que pega carona nessa tendência. “Somos a quarta maior do País no segmento Rx, sendo que há três anos sequer ocupávamos o top 10”, observa o CEO Breno Oliveira. Entre as marcas que mais puxaram esse incremento estão Alivium, Dramin e Rinosoro. O pipeline de inovação reúne 90 produtos voltados à cardiologia e ao sistema nervoso central (SNC).
O Aché planeja um agressivo investimento em inovação, na casa dos R$ 200 milhões – equivalente a 15% do Ebitda. A farmacêutica mira segmentos com poucas opções terapêuticas disponíveis, como é o caso da puberdade precoce e do vitiligo. “Esse remédio será produzido com base em uma molécula extraída da flora brasileira”, afirma a presidente Vânia Alcântara Machado, que viu a receita do laboratório crescer 18,2% nos últimos 12 meses até setembro.
Internacionalização também marcou o ano da indústria
Outra estratégia para driblar os desafios estruturais passa pela internacionalização, que teve dois protagonistas neste 2022. O Grupo NC, do qual faz parte a EMS, comprou três farmacêuticas mexicanas que pertenciam a uma holding japonesa. E a Eurofarma obteve o aval da FDA para ser o primeiro laboratório nacional com operação própria nos Estados Unidos.
P&D no alvo das farmacêuticas brasileiras
Outra resposta ao nebuloso cenário global é o investimento em Pesquisa & Desenvolvimento (P&D). “Segundo o último estudo do gênero compilado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2017, saíram das fábricas de laboratórios nacionais 76% dos gastos com pesquisa de medicamentos. O percentual era de 52% em 2008”, destaca o presidente do Grupo FarmaBrasil, Reginaldo Arcuri.
Desde 2013, os aportes da indústria em plantas dedicadas a P&D no Brasil totalizam R$ 11 bilhões. A Blanver, por exemplo, prevê destinar R$ 231,6 milhões na nacionalização de medicamentos até 2025. O alvo são medicamentos contra HIV, hepatite e outras infecções sexualmente transmissíveis.
A Geolab concentra atualmente as atenções na capacidade de produção de colírios, ampliada em seis vezes a partir da construção da segunda planta em Anápolis (GO). A Herbarium, por sua vez, praticamente dobrou de tamanho nos últimos três anos ao priorizar remédios inovadores e, em dezembro, iniciou incursão no mercado de cannabis.
“Esses fatos são mostras do poderio da indústria farmacêutica nacional, que domina 43% do mercado latino-americano e fatura mais do que a soma de México, Colômbia e Argentina”, exalta Arcuri.
Genéricos e biossimilares: dobradinha do futuro
Nesse contexto, a dobradinha entre genéricos e biossimilares é encarada como rota natural para a indústria brasileira. Entre dezembro de 2021 e novembro de 2022, foram comercializadas 1,4 milhão de unidades de biossimilares genéricos no Brasil, um aumento de 24,03% quando comparado ao período anterior. Os biossimilares são usados hoje por 15 laboratórios para o tratamento de mais de 50 patologias.
A partir de 2023, um número significativo de patentes de medicamentos de base biológica chega ao fim. Isso abre a oportunidade ao País de ampliar o acesso da população a produtos inovadores, na visão da presidente executiva da Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos (PróGenéricos), Telma Salles.
“A criação de uma Política Nacional de Biossimilares, que propusemos ao governo eleito, trará as diretrizes e a segurança jurídica necessárias àqueles que pretendem investir na produção desses medicamentos. Seria o mesmo que aconteceu com os genéricos, hoje presentes em 15 dos 20 remédios mais vendidos no País, em 72% das prescrições para ansiedade e 64% para depressão”, defende.
Fonte: https://panoramafarmaceutico.com.br/farmaceuticas-brasileiras-avancam-2022/